ESG é um conceito que surge da ideia de que empresas têm um papel significativo na construção de um mundo sustentável.
Diversos fatores contribuíram para esta tomada de consciência, tais como a ocorrência frequente de eventos climáticos extremos, a expansão de cadeias de valor globais e o aumento da capacidade das empresas de influenciar o contexto em que operam.
Triple Botton Line
A partir disso, surge nos anos 90 o conceito de Triple Botton Line, que prega uma gestão empresarial com foco na sustentabilidade de forma ampla, considerando aspectos sociais, ambientais e econômicos. Isso quer dizer que o resultado financeiro positivo deve ser acompanhado de uma relação saudável com os recursos naturais e sociais.
Mais recentemente, o tema começou a fazer parte da agenda de investidores e acionistas, que incluíram assuntos relacionados à governança corporativa na dimensão econômica do tripé. Transparência, direitos de acionistas minoritários e compliance entram para pauta – que ao invés de “econômica” passa a ser chamada de “governança”.
O surgimento do termo “ESG”
É neste contexto que surge o conceito de ESG, junção das letras iniciais das palavras environmental, social and governance (do inglês, ambiental, social e governança). A sigla apareceu pela primeira vez em 2004, no relatório Quem se importa vence: conectando mercados financeiros a um mundo em mudança, do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com o Banco Mundial.
Segundo o estudo, empresas que têm um desempenho melhor em critérios ESG agregam mais valor aos seus acionistas e são mais competitivas em um mercado global, já que gerenciam melhor seus riscos e antecipam ações regulatórias. Também contribuem para o desenvolvimento sustentável dos lugares em que operam e para a resiliência do mercado financeiro como um todo.
E, S e G: o que cada letra quer dizer?
Aqui vou explicar com um pouco mais de detalhes e exemplos qual significado de cada uma das letras do acrônimo “ESG”. Você pode saber mais sobre eles nos artigos abaixo:
Environmental (Ambiental)
No pilar ambiental, espera-se que empresas levem em conta os impactos que suas operações têm sobre o meio ambiente, adotando medidas para minimizar impactos negativos futuros e reparar impactos negativos que já tenham sido causados.
Uma indústria que funciona perto de um rio, por exemplo, deve buscar ao máximo preservá-lo. Se houver alguma poluição, é necessário que se dedique imediatamente a limpá-lo.
Social
Dentro das práticas sociais, empresas devem olhar para os impactos sobre os direitos de seus empregados, colaboradores e comunidade no entorno.
Isso inclui observar políticas de diversidade, o combate ao trabalho análogo ao escravo e trabalho infantil, pagamento justo aos colaboradores, instituição de políticas de combate ao assédio, escuta às comunidades locais, entre outros.
A respeito da diversidade, estudos revelam, inclusive, que essas práticas podem ter uma relação direta com a boa performance financeira de uma empresa.
Governança
Tradicionalmente, governança corporativa é o sistema pelo qual empresas são dirigidas e monitoradas.
O G de “ESG”, portanto, busca avaliar se este sistema de gestão e monitoramento está em conformidade com as melhores práticas e atingindo suas finalidades.
Aqui eu poderia citar: políticas de transparência e acesso à informação, independência do conselho de gestão da empresa, existência de regras claras sobre ética corporativa, uma estrutura empresarial adequada, entre outros.
Por que me preocupar com ESG?
Há diversos motivos para que sua empresa priorize a agenda ESG.
Já adianto que eles vão bem além de “fazer um mundo melhor” ou “preservar a natureza”. Quando falamos em ESG falamos sobre o core da estratégia da empresa. Falamos sobre garantir a ela resiliência e longevidade.
Melhorar resultados financeiros
O primeiro motivo para se preocupar com ESG é claro e bem tangível: empresas com um melhor desempenho em critérios ESG apresentam também um melhor resultado financeiro no longo prazo, além de uma menor volatilidade no seu valor de mercado. Por isso, em breve, toda decisão de investimentos levará em conta critérios ESG.
Segundo a Bloomberg, até 2025, cerca de 1/3 dos ativos sob gestão serão ativos ESG, superando a marca de U$ 53 trilhões.
Na Europa, a proporção será ainda maior. Segundo a PwC, uma das maiores empresas de auditoria do mundo, até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa estarão em fundos que consideram os critérios ESG, o que representa US$ 8,9 trilhões, em relação a 15,1% de 2019.
A tendência é que isso se intensifique em todo o mundo e, em um futuro não muito distante, apenas empresas que incorporem critérios ESG às suas práticas terão acesso substancial a investimentos.
Acesso a mercado consumidor
Uma pesquisa da KPMG aponta que um a cada quatro consumidores considera fatores relacionados a ESG no momento da sua decisão de compra, sendo que esse número vem crescendo em relação a pesquisas anteriores. A pesquisa também aponta que, no Brasil, a consciência social das marcas é mais valorizada pelo público consumidor do que em outros países.
Não à toa, dados da B3 mostram que investimentos em ativos ESG tiveram uma melhor performance financeira e uma menor volatilidade.
Quem está cobrando o atendimento aos critérios ESG?
Poderia responder à pergunta do título de uma forma bem direta: “Muita gente está cobrando – e cada vez mais gente vai cobrar no futuro”.
Mas vou escrever a seguir sobre dois players bem significativos que vêm aumentando a cobrança de práticas ESG por empresas: mercado financeiro e governos.
BlackRock e o grande impulso ESG no mercado financeiro
Provavelmente você conhece a BlackRock? Ela é a maior gestora de ativos do mundo, com cerca de U$7 trilhões de patrimônio sob gestão.
Em janeiro de 2020, Larry Fink, diretor-presidente da BlackRock, enviou uma carta anual aos executivos da empresa reconhecendo que mudanças climáticas transformarão as finanças globais.
Afirmou também que a sustentabilidade passaria a ser levada em conta nas decisões da gestora, que, por exemplo, sairia de investimentos de alto risco em termos de sustentabilidade.
Por que esse foi um marco tão importante? Porque foi a primeira vez que uma gestora deste tamanho endossou de forma tão significativa a agenda ESG.
A cobrança da BlackRock gerou um efeito dominó, que obrigou milhares de outras gestoras e de empresas a investidas a se adaptarem.
Esta onda foi, e vai, crescendo muito. Uma prova disso são dados que trouxe há poucos parágrafos: até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa estarão em fundos que consideram os critérios ESG, que representa US$ 8,9 trilhões, em relação a 15,1% de 2019
Empresas que não se adaptarem à exigência do mercado financeiro vão ver o acesso a capital se estreitar significativamente.
Os governos também estão de olho
Os investidores influenciam o comportamento do mercado a partir dos critérios que adotam para as suas decisões de investimento. Já os governos, influenciam a partir da edição de atos normativos que regulam a conduta de atores privados em relação a questões de ESG.
Na linha da tendência global, o Brasil vem adotando uma série de regras que buscam criar incentivos para a incorporação de critérios ESG pelo setor privado. Algumas delas são:
A Resolução nº 59/2021 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determina que empresas listadas na bolsa devam apresentar informações relacionadas a aspectos ESG, incluindo:
- Se divulga informações ESG em seu relatório anual;
- Se o relatório é auditado ou revisado por entidade independente;
- Se o relatório considera Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU e quais são os ODS materiais para o negócio da empresa;
- Se a empresa realiza inventário de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), entre outros.
Já a Circular nº 666/2022 da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) estabelece que seguradoras, entidades de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradoras devam obrigatoriamente adotar instrumentos para a gestão de riscos climáticos, sociais e ambientais.
Isso quer dizer que essas empresas passarão a levar em conta os riscos de sustentabilidade na hora de fazer sua escolha de investimentos. O histórico de compromisso de um cliente com questões de ESG também pode ser levado em conta no momento da precificação dos riscos pela seguradora.
A Nova Lei de Licitações também estabelece uma série de incentivos para que as empresas que pretendam participar de processos licitatórios e firmar contratos com o Poder Público se adequem a critérios ESG. Entre outras exigências, a lei determina que a existência de políticas ESG pode ser um critério de desempate na seleção de propostas.
Como implementar práticas e políticas ESG na minha empresa?
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Passo 1: identifique questões materiais
Você já deve ter reparado que a agenda ESG é bem ampla. Só neste texto já citamos, em diferentes partes, “Diversidade”, “Clima” e “Compliance”. Isso para não falar de assuntos menos conhecidos.
Frente a essa diversidade, como começar?
Simples: PRIORIZANDO.
O primeiro passo para a implementação da agenda ESG na sua empresa é entender quais são os temas materiais, ou seja, relevantes, dentre as dezenas que você poderia abordar.
Você deve identificar quais questões são mais relevantes em determinado contexto operacional (as chamadas questões materiais) e priorizá-las.
Por ser uma análise de contexto, a materialidade dependede do perfil da empresa
Por exemplo: se sua empresa é uma indústria, é muito provável que questões relacionadas à contaminação ambiental sejam materiais (relevantes). Já se sua empresa é de tecnologia, há muito menos chances de temas ambientais serem materiais (relevantes).
Como identificar a materialidade?
Um ponto muito importante é que a materialidade deve ser analisada a partir da perspectiva de stakeholders internos E externos. Deve incluir acionistas e investidores, clientes, fornecedores, comunidade no entorno, Poder Público e sociedade civil.
Eles devem ser ouvidos por meio de entrevistas. Por serem muitas partes interessadas, é natural que sejam dezenas, até centenas de entrevistados.
Neste tema, a nova diretiva da Comissão Europeia sobre relatórios corporativos reconhece o conceito de “dupla materialidade”, defendendo que a materialidade deve levar em conta os riscos para empresas e investidores, mas também para pessoas e o planeta.
Produzindo a matriz de materialidade
Identificadas essas questões, é hora de estabelecer prioridades. Para isso, você deve colocar as questões materiais em uma matriz e dar prioridade àquelas que forem mais relevantes ao mesmo tempo para stakeholders internos e externos. Veja abaixo o exemplo da matriz de materialidade da Nestlé:
Aqui um outro exemplo de matriz de materialidade, retirado do relatório de sustentabilidade da TIM. Repare que esta matriz associa diretamente a materialidade aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU (sobre os quais falarei logo mais):
2. Estabeleça metas concretas
Uma vez identificadas as questões materiais e definidas as prioridades, passa-se à definição de medidas concretas para endereçar essas questões e para comunicar ao público as medidas adotadas.
Nesse ponto, é importante compreender que não é possível listar metas que devam ser observadas por todas as empresas. Como falamos anteriormente, não existe receita de bolo: existem diversas variáveis que interferem na materialidade, tornando cada empresa única – e assim também deve ser a solução a ser adotada por ela.
Ainda assim, podemos dar aqui alguns exemplos:
Environmental (ambiental)
- Diminuir em 30% a emissão de carbono até 2030
- Diminuir em 40% a geração de resíduos sólidos até 2030
- Utilizar apenas embalagens retornáveis ou recicláveis até 2025
Social
- Ter 50% dos postos de liderança ocupados por mulheres e por pessoas negras até 2025
- Zerar a ocorrência de acidentes de trabalho até 2025
- Tirar 200 mil pessoas da linha da pobreza nas zonas de influência da empresa até 2025
Governança
- Ter 100% das pessoas em cargos de liderança treinados em temáticas anticorrupção até o fim do ano
- Definir o procedimento a ser adotado em casos de conflito de interesse até o fim do ano
- Estabelecer a política antitruste da companhia até o fim do ano
Agenda 2030 e as metas
Um bom ponto de partida para o estabelecimento de metas, além da matriz de materialidade, é a Agenda 2030 da ONU.
A Agenda 2030 estabelece 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), além de 169 metas para erradicar a pobreza e estabelecer condições de vida dignas em todo mundo até 2030 levando em conta as três dimensões de sustentabilidade: econômica, social e ambiental.

Os ODS não se referem à atuação de uma única companhia, mas sim a um compromisso global compartilhado entre diversos atores (empresas, governos e sociedade civil). Ainda assim, os ODS podem servir como um norte no planejamento de ações ESG.
3. Envolva todos os departamentos da companhia, incluindo a alta hierarquia
Para que práticas de ESG sejam efetivas, é importante que elas sejam um compromisso de toda a empresa, incluindo a alta liderança.
Claro que é importante contratar especialistas no tema ou criar áreas específicas. Mas qualquer solução que seja concebida e implementada apenas por uma área – seja ela o Jurídico, o Marketing ou o RH – tem grandes chances de não alcançar o resultado desejado.
Por isso, todas as áreas devem ter metas ESG. Para que a agenda ESG seja realmente levada em consideração nas tomadas de decisão da empresa, sobretudo as decisões estratégicas, é importante que esteja presente em todos os departamentos.
4. Utilize métricas para a avaliação do resultado obtido e elabore relatórios de sustentabilidade
Para saber se a agenda ESG está sendo efetivamente implementada, é muito importante mensura-la com métricas e publicá-las em relatórios periódicos.
Métricas ESG
O desenvolvimento de métricas é fundamental para que as políticas de ESG deixem de ser apenas boas ideias no papel e ganhem corpo, combatendo práticas como o greenwashing e o socialwashing.
A avaliação da performance de uma empresa nesses assuntos não obedece a uma fórmula única. Uma forma possível é por meio de agências de avaliação (rating), que avaliam as empresas a partir de dados obtidos por meio de notícias, relatórios de sustentabilidade, relatórios do terceiro setor, entre outros.
Algumas dessas agências são a MSCI, Sustainalytics e a Fitch Ratings. Índices de bolsas de valores também podem trazer informações sobre os compromissos ESG de empresas listadas, como é o caso do Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3, a bolsa de valores oficial do Brasil.
Produção de relatórios
Também é importante produzir um relatório anual de sustentabilidade para dar transparência ao que está sendo feito na empresa.
Um dos padrões mais seguidos e aceitos internacionalmente para este tipo de relatório é o da Global Reporting Initiative. Também conhecido como “Relatório GRI”, ele comunica de forma customizada e simplificada como está sendo desenvolvida a agenda ESG na empresa.
Uma palavra final
É notável o avanço da agenda de ESG nos últimos anos, principalmente a partir de 2020. Ela evidencia o papel fundamental desempenhado pelo setor privado na proteção do meio ambiente, no respeito aos direitos humanos e na promoção da transparência, participação e acesso à informação.
Ainda há muito o que se desvendar em termos de ESG para que as práticas empresariais estejam integralmente alinhadas a esses princípios, o que inclui o desenvolvimento e disseminação de métricas e o combate ao greenwashing e ao socialwashing.
Mas uma coisa é certa: a tendência veio para ficar. O escritor e ativista francês Victor Hugo certa vez escreveu que “nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”.
O tempo em que empresas poderiam conduzir suas operações buscando apenas o lucro passou. O respeito a questões ambientais, sociais e de governança é um imperativo e empresas que saiam na frente nessa corrida em direção ao topo certamente observarão vantagens frente a investidores e consumidores.
Este informativo contou com contribuições de Joana Nabuco, advogada e Mestre em Direito pela NYU School of Law.
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